
Categoria: Artigos
Data: 17/02/2023
CRÔNICAS DE UMA VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS (1)
Alderi Souza de Matos
Em julho de 2022, deixando os filhos com a avó materna em Patrocínio, MG, Cíntia e eu fizemos empolgante visita à terra de Tio Sam. Durante dez dias, estivemos em quatro cidades da região central da costa leste: Nova York, Filadélfia, Washington e Princeton. O objetivo foi tríplice: turístico, comercial (as inevitáveis compras) e histórico. Sim, um historiador não poderia perder a oportunidade de conhecer nessas cidades alguns locais relevantes da história do protestantismo e do presbiterianismo norte-americano.
Nova York tem uma importância singular para o presbiterianismo brasileiro. Foi lá que esteve sediado por mais de um século o Board of Foreign Missions, a agência de missões estrangeiras da igreja presbiteriana norte-americana, a “Igreja do Norte” (PCUSA). Esse órgão enviou ao Brasil o Rev. Simonton e dezenas de outros valorosos missionários. Não foi possível visitar o famoso endereço da 5ª Avenida, e sim outros três locais de interesse histórico-religioso na parte sul da imensa ilha de Manhattan.
O primeiro foi o túmulo de Alexander Hamilton (1755-1804), localizado no cemitério anexo à majestosa Trinity Church (episcopal), perto de onde ficavam as malsinadas Torres Gêmeas, destruídas no atentado de 11.09.2001. Hamilton foi um dos pais fundadores dos Estados Unidos, tendo sido um signatário da Constituição Americana e o primeiro Secretário do Tesouro, bem como o fundador do Banco de Nova York e da Casa da Moeda. Sua efígie aparece na cédula de dez dólares. Dolorosamente, sua morte com menos de 50 anos foi resultado de um duelo, motivado pelas paixões políticas da época, com Aaron Burr Jr., vice-presidente dos Estados Unidos e neto do ilustre pastor e teólogo Jonathan Edwards.
O que muitos desconhecem é a dimensão religiosa da vida de Hamilton, analisada recentemente por David Mathis, editor executivo do site Desiring God, no artigo “Pródigo americano: a ascensão, queda e redenção de Alexander Hamilton”. Na adolescência, em sua terra natal de Nevis, pequena ilha do Caribe, ele teve uma profunda experiência religiosa. Com a ajuda do pastor presbiteriano Hugh Knox, foi estudar no Colégio de Nova Jersey, em Princeton. Porém, envolveu-se com a Revolução Americana e abandonou a fé, chegando a pecar contra o 7º mandamento. No final da vida, em meio a duras provações, retornou à comunhão com Deus. Teve o decidido apoio da esposa, Eliza Schuyler, uma evangélica fervorosa que sobreviveu a ele por 50 anos.
Outro local visitado foi a esquina das ruas Waverly Place e Mercer Street, no célebre bairro de Greenwich Village, a pequena distância da Washington Square, com seu grandioso arco comemorativo do centenário da posse do primeiro presidente americano. O referido local foi o último endereço de residência do advogado presbiteriano John Theron Mackenzie (1818-1892), ao qual o Instituto Presbiteriano Mackenzie deve o seu nome. Nascido no norte do Estado de Nova York, ele mais tarde se transferiu para a capital do estado, onde prosperou grandemente na carreira jurídica.
Ao aposentar-se, nutriu vivo interesse pelo trabalho da Junta de Missões Estrangeiras, cuja sede na 5ª Avenida ficava não longe de sua residência. Ao saber que essa agência planejava a criação de uma universidade cristã em São Paulo, doou 50 mil dólares para a construção do edifício da Escola de Engenharia, sendo o seu nome eventualmente dado à instituição (Mackenzie College). Faleceu um ano após a assinatura da doação, sendo o ofício fúnebre realizado na Igreja Presbiteriana de University Place, esquina com a 10ª Rua. A casa em que residiu na Waverly Place nº 13 não mais existe, ocupando o local um grande edifício de apartamentos. Na sua época, estavam localizadas nas proximidades diversas igrejas presbiterianas e reformadas holandesas, bem como a Universidade de Nova York e o Seminário Teológico Union.
Algumas quadras ao norte, ainda em Greenwich Village, existe a Primeira Igreja Presbiteriana da Cidade de Nova York, na esquina da 5ª Avenida com a Rua 12 Oeste. Essa igreja, a primeira da denominação na cidade, foi organizada em 1716, quatro décadas depois que os ingleses compraram a ilha dos holandeses. A primeira sede ocupou por quase 130 anos a esquina da Wall Street com a Rua Nassau. O imponente templo atual foi construído em 1845. Uma placa declara que o edifício se inspirou na Igreja de São Salvador, em Bath, na Inglaterra, e que a torre é semelhante à do Magdalen College, em Oxford. Outra placa informa que a bonita cerca de ferro que circunda a propriedade foi erigida em 1844 e restaurada em 1981.
Infelizmente, a PCUSA, possuidora de tão rica e nobre história, tendo sido, junto com a antiga PCUS (Igreja do Sul), a mãe do presbiterianismo brasileiro, sofre hoje um doloroso declínio numérico, motivado em boa parte por sua postura teológica e sociopolítica liberal. Pela graça de Deus, outras igrejas de Nova York têm se mantido fiéis à herança reformada, notadamente a Redeemer Presbyterian Church, fundada em 1989 pelo Rev. Tim Keller, então professor do Seminário Teológico Westminster. Essa igreja experimentou um crescimento extraordinário e se reúne em vários locais da ilha de Manhattan, testemunhando de Cristo nesse ambiente de grande prosperidade financeira, radicalismo ético e ceticismo religioso.
O Rev. Alderi Souza de Matos é o historiador do Brasil Presbiteriano